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“Gênero epistêmico”, de Gianna Pomata: o que é e como usar, com um estudo de caso sobre os manifestos teóricos de historiadores

Gianna Pomata’s epistemic genre: what it is and how to use it, with a case study on historians’ theoretical manifestos

Resumo

A primeira parte do artigo faz uma introdução conceitual e historiográfica à noção de “gênero epistêmico” na obra de Gianna Pomata. Essa noção ganhou considerável atenção e interesse nos últimos anos, não apenas em relação à história da ciência e da medicina, mas também entre os historiadores no campo da teoria da história e história da historiografia. Em linhas gerais, podemos dizer que a noção de gênero epistêmico é uma ferramenta para a história cultural do conhecimento. Para Pomata, o desaparecimento, a emergência e a transformação de um gênero epistêmico revelam profundas mudanças nos modos coletivos de pensamento. Atenção específica no artigo é dada ao manifesto, agora um gênero socialmente reconhecido nos debates contemporâneos em teoria da história, e ao que ele revela sobre a economia moral dos historiadores. Defendo que a transformação do manifesto - cuja história podemos retraçar às lutas revolucionárias modernas e às vanguardas artísticas contemporâneas - em um gênero epistêmico pode ser lida como um sinal da introdução da sua dinâmica político-temporal na produção do conhecimento histórico.

Palavras-chave:
Gênero; História Cultural; História das Ciências

Abstract

This article begins with a conceptual and historiographical introduction to the notion of “epistemic genre” in the work of Gianna Pomata. It has gained considerable attention and interest over recent years, not only in relation to history of science and medicine but also among historians in the field of historiography and theory of history. Broadly speaking, the notion of epistemic genre is a tool for the cultural history of knowledge. For Pomata, the disappearance, emergence and transformation of an epistemic genre reveal profound changes in collective modes of thought. Specific attention in the paper is paid to the manifesto, now a socially recognized genre in contemporary debates in theory of history, and to what it reveals about historian’s moral economy. I argue that the transformation of the manifesto - which history we can trace back to modern revolutionary struggles and contemporary artistic avant-gardes - into an epistemic genre can be read as a sign of the introduction of its political-temporal dynamics into the production of historical knowledge.

Keywords:
Genre; Cultural History; History of Science

“Quanto a saber se a minha indiferença em relação à gestação de uma história que substituiria a separação entre as ciências e (...) a literatura pela sua intussuscepção recíproca me valeria ou não a qualificação de fóssil conceitual, devo confessar que disso não tenho cura.”

Georges Canguilhem (2000CANGUILHEM, Georges. Idéologie et rationalité dans l’histoire des sciences de la vie. 2ª ed. rev. e cor. Paris: Librairie Philosophique J. Vrin, 2000. - (Problemes & Controverses)., p.3, tradução nossa)

Nas últimas três décadas, os historiadores, em especial aqueles dedicados à História da Historiografia e à Teoria da História, realizaram um movimento gradual de aproximação com a História do Conhecimento. Esse processo foi favorecido por uma transformação correlata no campo da História das Ciências, que desde meados dos anos 1980 se consolidou como uma disciplina de historiadores de formação. Mais do que uma simples questão de nomenclatura, a abertura da História das Ciências para a história do conhecimento representa uma transformação profunda do objeto da disciplina (DASTON, 2017aDASTON, Lorraine. The History of Science and the History of Knowledge. KNOW, Chicago, v. 1, n. 1, p. 131-154, 2017a. Disponível em: https://www.journals.uchicago.edu/doi/10.1086/691678. Acesso em: 4 mai. 2017.
https://www.journals.uchicago.edu/doi/10...
), decorrente da insatisfação dos seus praticantes com o que lhes parecia ser uma noção muito limitada da palavra “ciência”, que, a depender do contexto - filosófico, historiográfico, nacional, linguístico etc. -, deixava de fora saberes e práticas que não prepararam ou que não são desdobramentos da chamada “Revolução Científica” do século XVII.

Além dos conhecimentos não associados à “ciência moderna ocidental” - um grande pleonasmo, para alguns críticos -, os primeiros historiadores das ciências também não costumavam prestar muita atenção às ciências humanas, sinal do prestígio que as ciências naturais, biológicas, matematizáveis adquiriram na modernidade, tanto quanto da desconfiança em relação ao estatuto de cientificidade da nossa grande área. Com a virada para a história do conhecimento,1 1 Sobre a relação entre Teoria da História, História da Historiografia e História do Conhecimento, ver o dossiê “History of Knowledge”, publicado pela History & Theory em dezembro de 2020 (v. 59, n. 4): https://onlinelibrary.wiley.com/toc/14682303/2020/59/4 não apenas os historiadores se desembaraçaram daquelas limitações como fizeram da própria divisão disciplinar e da sua hierarquização atuais um objeto de pesquisa, tornando-nos mais atentos à história compartilhada de diferentes ramos das ciências humanas e naturais que nosso modo especializado de raciocínio tende a considerar apartados desde a origem.

Neste artigo, proponho uma apresentação da noção de “gênero epistêmico”, elaborada pela historiadora italiana Gianna Pomata para designar certas formas textuais desenvolvidas junto com práticas científicas, como a resenha, o compêndio, o artigo de revisão, o tratado etc. Considero que a proposta de Pomata, elaborada no e para o campo da história do conhecimento, é, justamente por isso, perfeitamente aplicável ao caso particular da história da historiografia. Sua ferramenta permite treinar o olhar para a percepção da historicidade das formas textuais que acompanham o trabalho dos historiadores e para as transformações que elas provocam ou assinalam nos nossos ideais e práticas de racionalidade.

Na segunda parte do artigo, é justamente a transformação do manifesto em um gênero epistêmico que me permite apontar certos elementos para a reflexão sobre a economia moral2 2 Cf.DASTON, 2017, p. 37: “Somos herdeiros de uma antiga tradição que opõe a vida da mente à vida do coração, e de uma mais recente que opõe fatos a valores. Uma vez que a ciência em nossa cultura se tornou um exemplo de racionalidade e facticidade, sugerir que ela depende de modo essencial de constelações muito específicas de emoções e valores soa paradoxal. Emoções podem alimentar o trabalho científico oferecendo motivação, valores podem se infiltrar em produtos científicos como ideologia ou sustentá-los como normas institucionalizadas, mas nem emoções nem valores penetram o núcleo da ciência - tais são os limites que estas oposições habituais parecem ditar. O ideal de objetividade científica afirma atualmente, de modo insistente, a existência e impenetrabilidade desses limites. Afirmarei, entretanto, que não apenas a ciência tem o que chamarei de economia moral (na verdade, várias), estas economias morais são ademais constitutivas dos aspectos considerados comumente (e, penso eu, corretamente) mais característicos da ciência como modo de conhecimento. Dito de modo mais agudo e específico: certas formas de empirismo, quantificação e da própria objetividade não apenas são compatíveis com economias morais, elas exigem economias morais”. da nossa ciência no presente. Os manifestos teórico-metodológicos de historiadores se consolidaram como objeto de reflexão em nossa área notadamente após a publicação, em 2007, do livro Manifestos for History. Organizado por Keith Jenkins, Sue Morgan e Alun Munslow, com contribuições de autores de referência para a Teoria e Metodologia da História, como Joan W. Scott, Dipesh Chakrabarty, Frank Ankersmit, Ewa Domanska e Hayden White, Manifestos for History não teve uma recepção unânime. No ano seguinte à sua publicação, a revista Historically Speaking (vol. 9, núm. 6) convidou outros conhecidos historiadores, como Allan Megill, Mark Bevir e David A. Hollinger, para um fórum em torno do livro. Eles chamaram a atenção, às vezes de modo irônico, para a tentativa de disciplinarização de um gênero radical, historicamente associado a grupos políticos revolucionários e a movimentos de vanguarda artística. Aqui, mostrarei que a transformação do manifesto em um gênero epistêmico dos historiadores não deve ser lida como uma diminuição da sua força, mas como um sinal da introdução, na produção do conhecimento histórico, da sua dinâmica político-temporal.

A noção de “gênero epistêmico” na obra de Gianna Pomata

Primeiros elementos de definição: todo gênero epistêmico é textual e aqueles que escrevem um gênero epistêmico precisam estar conscientes disso. “Um gênero epistêmico [epistemic genre], como todos os gêneros, é uma categoria de ator”, alertou Pomata (2019POMATA, Gianna. The Medical Case Narrative in Pre-Modern Europe and China: Comparative History of an Epistemic Genre. In: GINZBURG, Carlo; BIASIORI, Lucio (orgs.). A Historical Approach to Casuistry: Norms and Exceptions in a Comparative Perspective. Londres: Bloomsbury Academic, 2019, p. 15-44., p. 21, tradução nossa). “Os historiadores não podem identificá-lo como tal, a menos que as pessoas que eles estudam o reconheçam como um gênero”. É esse reconhecimento, ao qual Pomata deu o nome de “consciência de gênero” [genre awareness], que notamos, por exemplo, nas Teses sobre Feuerbach (1845), de Karl Marx, nas teses de Walter Benjamin Sobre o conceito de História (1942) e nas Teses sobre teoria e história (2018), do Coletivo “Wild On”. Nessa apresentação, relacionarei a noção de gênero epistêmico a certos objetos mais familiares aos historiadores da historiografia, como os relatos de viagem e os manifestos, com o objetivo de converter para a área ao menos três benefícios que, segundo Pomata,3 3 A partir da conferência “Epistemic Genres: Tools for the Cultural History of Knowledge”, apresentada por Gianna Pomata em 16 de fevereiro de 2015, na EHESS, Paris. Resumo disponível em: http://gehm.ehess.fr/index.php?3332 sua ferramenta pode trazer para a história cultural dos conhecimentos: a) “um melhor entendimento da longa duração na história das práticas cognitivas”; b) “uma aproximação entre a história social das práticas e a história intelectual dos conceitos, as duas indispensáveis para a nossa compreensão histórica do conhecimento e da ciência, mas frequentemente cultivadas como empreitadas separadas”; c) “uma nova perspectiva para o exame da questão inércia versus inovação - uma questão chave na história das tradições científicas”.

Dizer “epistêmico” ao discutir a história dos gêneros significa considerar o manual, a revisão bibliográfica ou o catálogo de fontes como modos de raciocínio manifestados numa forma (POMATA, 2010POMATA, Gianna. Sharing Cases: The Observationes in Early Modern Medicine. Early Science and Medicine, Leiden, v. 10, p. 193-236, 2010. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/20750215 . Acesso em: 23 mar. 2017,
https://www.jstor.org/stable/20750215...
, p. 196). Por isso os historiadores das ciências costumam ser mais atentos aos gêneros da comunicação científica, como a enciclopédia, o exame, a memória e o comentário. Os historiadores da medicina e dos saberes “psi”, por exemplo, produziram uma vasta biblioteca a partir dos prontuários. Exatamente um século atrás, Henry Sigerist - considerado por muitos o fundador da história social da medicina - obtinha reconhecimento internacional com a publicação dos Studien und Texte zur frühmittelalterlichen Rezeptliteratur, uma coletânea de antidotários medievais, seguidos de uma breve análise do seu conteúdo, da classificação das receitas, modo de administração e comentários sobre as fontes da compilação. A noção de gênero epistêmico não cria, portanto, novos objetos para os historiadores, mas chama a atenção para o fato surpreendente de que esses objetos nunca receberam uma designação geral. E, ao propor um nome para o conjunto dos gêneros da produção e da comunicação científica, Pomata marcou a especificidade desses artefatos textuais a partir do fato de que eles possuem não apenas uma dimensão literária, mas primariamente cognitiva.

É claro que há muito se reconhece que os trabalhos científicos, na medida em que são textos, vêm em gêneros. Mas nós os chamamos de gêneros literários e pensamos neles como gêneros literários, isto é, como algo que tem a ver com o recipiente formal do texto, mas que não é diretamente relevante para seu conteúdo científico. Parece-me, no entanto, que, ao chamar tais gêneros de “literários”, perdemos sua qualidade distinta e específica. Deixamos escapar o fato de que eles são os veículos de um projeto cognitivo e que são moldados por esse projeto. Os historiadores do conhecimento devem identificar os gêneros epistêmicos como aquele tipo específico de gênero cuja função é fundamentalmente cognitiva, não estética ou expressiva - aquele tipo específico de gênero cujo objetivo principal não é a produção de sentido [meaning], mas a produção de conhecimento (POMATA, 2014POMATA, Gianna. The Medical Case Narrative: Distant Reading of an Epistemic Genre. Literature and Medicine, Boston, v. 32, n. 1, p. 1-23, 2014. Disponível em: https://muse.jhu.edu/article/548071. Acesso em: 23 mar. 2017.
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, p. 3, tradução nossa).

Pomata reconhece que nem sempre é fácil distinguir um gênero literário de um gênero epistêmico. Os ensaios e aforismos então entre esses casos, assim como o diálogo, cuja história de associação ao conhecimento verdadeiro (evitarei o pleonasmo daqui em diante) pode ser rastreada de Platão a Galileu, autor do Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo ptolomaico e copernicano, de 1632, e dos Discursos e demonstrações matemáticas acerca de duas novas ciências a respeito da mecânica e dos movimentos locais, de 1638. De fato, segundo Pomata (2014POMATA, Gianna. The Medical Case Narrative: Distant Reading of an Epistemic Genre. Literature and Medicine, Boston, v. 32, n. 1, p. 1-23, 2014. Disponível em: https://muse.jhu.edu/article/548071. Acesso em: 23 mar. 2017.
https://muse.jhu.edu/article/548071...
, p. 3), o diálogo poderia ser estudado como um gênero epistêmico ou literário, mas sua história não seria a mesma em ambos os casos. São justamente aquela consciência de gênero dos seus autores e o objetivo primeiro da sua escrita que nos ajudam a determinar a qual tipo de história, se das ciências ou da literatura, o texto pertence. Foi por entender essa diferença que Alexandre Koyré (MACHADO, 2021MACHADO, Hallhane. A liberdade do pensamento. Estudo sobre o fundo místico da história de Alexandre Koyré. 2021. Tese (Doutorado em História). Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2021., p. 170) falou do livro de Galileu como uma “obra pedagógica” em que, através de três personagens, Salviati, Sagredo e Simplicio, o astrônomo italiano buscava contar a história do seu espírito: “Pois não se trata somente de convencer, de persuadir e de provar”, Koyré escreveu. “Trata-se também, e talvez sobretudo, de levar, pouco a pouco, o leitor honnête homme a poder ser persuadido e convencido; a poder compreender a demonstração e receber a prova”. Para Koyré, Galileu escolheu o diálogo porque ele permitiria “um duplo trabalho de destruição e de educação”, a saber: “destruição dos preconceitos e hábitos mentais tradicionais e do senso comum; criação, em seu lugar, de hábitos novos, de uma aptidão nova ao raciocínio” (KOYRÉ, 1966KOYRÉ, Alexandre. Études galiléennes. Paris: Hermann, 1966., p. 215-216 apudMACHADO, 2021MACHADO, Hallhane. A liberdade do pensamento. Estudo sobre o fundo místico da história de Alexandre Koyré. 2021. Tese (Doutorado em História). Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2021., p. 170).

A desconsideração pela qualidade distinta e específica das formas textuais desenvolvidas junto com práticas científicas pode ser notada, por exemplo, no caso dos relatos de viagem de naturalistas europeus ao Brasil entre os séculos XVI e XIX, que muitas vezes são tratados como um gênero literário. Isso não é de pouca consequência para a história da historiografia brasileira, já que muitos daqueles textos foram estudados por historiadores do século XIX que, como Varnhagen, quiseram encontrar, três séculos antes, “o começo da nação brasileira” (CEZAR, 1999CEZAR, Temístocles. Varnhagen e os relatos de viagem do século XVI: ensaio de recepção historiográfica. Anos 90, Porto Alegre, n. 11, p. 38-53, julho de 1999. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/anos90/article/view/6541 . Acesso em: 12 abr. 2017.
https://seer.ufrgs.br/index.php/anos90/a...
, p. 51)4 4 Temístocles Cezar também tornou conhecido para um público mais amplo, com a republicação na coletânea Ensaios de historiografia, um artigo exemplar de Manoel Salgado Guimarães (2022) sobre o tema, intitulado “História e Natureza em von Martius: esquadrinhando o Brasil para construir a nação”. O artigo foi originalmente publicado na revista História, Ciências, Saúde. Manguinhos, uma referência para a historiografia das ciências e da saúde no Brasil. . Trata-se, novamente, de uma forma textual que poderíamos considerar das duas maneiras, mas a generalização do relato de viagem como texto literário tende a desconsiderar o fato de que, no começo da modernidade, a narração estava firmemente associada ao conhecimento científico em diversos gêneros epistêmicos que, antes da formação do conceito coletivo-singular que os alemães nomearam Geschichte, se designavam como história.

Muitos daqueles relatos de viagem pertencem ao domínio científico conhecido como “história natural”, onde a narrativa e a observação se estabeleceram, a partir do século XVI e com mais força no século seguinte, como práticas cognitivas apropriadas a uma economia moral marcada pela subjetividade, pela imaginação e pelo maravilhamento na produção e transmissão do conhecimento empírico. Comentando o livro de Maria Elice Brzezinski Prestes, Investigação da Natureza no Brasil Colônia, Shozo Motoyama (2001MOTOYAMA, Shozo. Os naturalistas nos tempos del rey. Pesquisa FAPESP, São Paulo, edição 61, p. 75, janeiro/fevereiro de 2001., p. 75) escreveu que relatos como os de Anchieta, Pêro Gandavo, Ambrósio Brandão, Ivo d’Evreux, Jean de Léry, Hans Staden, André Thevet, Georg Marcgrave e Willem Piso, entre outros, “mesmo quando falam do fantástico e do mágico, estão dentro dos cânones do saber biológico vigente no Renascimento, que não teria ultrapassado ainda as características escolásticas e medievais”. Assim, através da continuidade da forma narrativa nos livros desses viajantes, é a história de um gênero epistêmico, e não de um gênero literário, que se pode contar entre 1557, com a publicação de Wahrhaftige Historia, de Hans Staden, e 1853, quando foi publicado A narrative of Travels on the Amazon and Rio Negro, de Alfred Russel Wallace, cujo título não resumido prossegue: With an Account of the Native Tribes, and Observations on the Climate, Geology, and Natural History of the Amazon Valley:

O ardente desejo de visitar uma região tropical, para contemplar a exuberância da vida, tanto animal quanto vegetal, que dizem ali existir, e ver, com os meus próprios olhos, todas as maravilhas que tanto me deliciavam, quando eu lia as descrições feitas pelos viajantes que as contemplaram, foram os motivos que me levaram a romper a trama dos meus negócios, os vínculos que me prendiam ao lar, e partir para “uma terra tão distante, onde reina um sertão constante”. Minha atenção voltou-se desde logo para o Pará e o Amazonas, por eu haver lido um livro de Edwards, intitulado A voyage up the Amazon (...).

Propus-me fazer a viagem à minha própria custa, para o fim exclusivo de reunir coleções de história natural. Consegui levar adiante minha ideia, realizando assim o meu desejado propósito.

E os deleites, que então experimentei, ante os belos e curiosos aspectos que continuamente se me deparavam, e o profundo interesse que despertavam em mim para o seu estudo, aquelas remotas paragens, habitadas por várias raças do gênero humano, foram tais, que eu, dali por diante, resolvi continuar firmemente no objetivo em que me embrenhara, excitando ainda mais o prazer e o desejo de percorrer de novo os selvagens e luxuriantes cenários, palpitantes de vida, dos trópicos (WALLACE, 1939WALLACE, Alfred Russel. Viagens pelo Amazonas e rio Negro. Tradução de Orlando Torres. São Paulo; Rio de Janeiro; Recife; Porto Alegre: Companhia Editora Nacional, 1939., Prefácio, n.p., tradução nossa).

Em “O relato de viagem e a transmissão do conhecimento empírico no Século XVII”, Luciana Villas Bôas mostrou a importância de Johannes Dryander, professor de astronomia e de medicina na universidade de Marburg, editor do livro de Staden, para a configuração da forma narrativa inovadora de Wahrhaftige Historia, logo tornada habitual na história natural. Para ela, a “colaboração inusual entre viajante e professor, bem como a forma textual em que culmina”, que daria um caráter diferente ao livro de Staden em relação aos de Thevet (1557) e Léry (1578), por exemplo, precisa ser “remontada a um determinado entendimento da relação entre conhecimento experimental e teórico que associa o registro escrito e a coleção de viagens com o cálculo de corpos celestes e a prática de dissecações do corpo humano” (BÔAS, 2010BÔAS, Luciana Villas. O relato de viagem e a transmissão do conhecimento empírico no Século XVII. Floema, Vitória da Conquista, n. 6, p. 131-152, jan./jun. 2010. Disponível em: https://periodicos2.uesb.br/index.php/floema/article/view/1768 . Acesso em: 12 abr. 2017.
https://periodicos2.uesb.br/index.php/fl...
, p. 133-134).

Existe uma espécie de coerência entre esses saberes e práticas que, no período moderno, associavam, sob o nome de historia, narrativa, observação e experimentação. Pomata se interessou particularmente por dois desses gêneros epistêmicos, a historia medica e a historia anatomica, que ela estudou como parte da história mais ampla das artes historicae entre o Renascimento e meados do século XVIII. Em “Praxis Historialis: The Uses of Historia in Early Modern Medicine”, ela afirma que aqueles gêneros médicos desempenharam um importante papel “na reavaliação mais ampla do valor epistemológico da historia” no século XVII:

Em ambos os casos [historia medica e historia anatomica], podemos notar uma crescente centralidade da historia, ligada ao seu uso para registrar, comunicar e validar a observação. Em todas essas variedades, a historia médica carregava uma forte conotação empirista. Ela significava sensata cognitio, conhecimento baseado na percepção sensorial, bem como o seu relato. A historia médica, como a historia em geral, ocupou um lugar proeminente no vocabulário da experiência do início da era moderna, e sua ascensão espetacular como uma forma de escrita médica é parte da história mais ampla das variedades do empirismo acadêmico do período (POMATA, 2005POMATA, Gianna. Praxis Historialis: The Uses of Historia in Early Modern Medicine. In: POMATA, Gianna e SIRAISI, Nancy G. Historia: Empiricism and Erudition in Early Modern Europe. Cambridge: The MIT Press, p. 105-146, 2005., p. 105, tradução nossa).

Nessa história conceitual interessada pelos gêneros associados às práticas científicas, Pomata mostra que a historia não deveria ser limitada à narratio rerum gestarum, que marcaria seu caráter literário: ela indicaria primariamente um modus cognoscendi. Seguindo essas reflexões, é possível chegar à conclusão de que o ato de pensar a narrativa histórica a partir da forma do romance é o resultado de uma postura inicialmente comprometida, que, sem distinguir gêneros epistêmicos e gêneros literários, não se atenta para a relação de longa data estabelecida entre narrativa e conhecimento científico. Assim, a noção de gênero epistêmico traz a abordagem narrativista do conhecimento histórico para mais perto de seu sentido original e menos desgastado, que conecta autores como Louis O. Mink e Paul Ricoeur, por exemplo. Ao escolher como ponto de partida não a querela ou as similitudes entre História e Literatura oitocentistas, mas o projeto cognitivo que moldou a forma textual das artes historicae, Pomata situa a reflexão sobre a narrativa histórica na longa duração das práticas de saber, e não das formas de expressão.

Essa perspectiva que caracteriza os trabalhos de Pomata foi construída ao longo de uma trajetória de pesquisa e ensino sobre a narrativa histórica. E podemos notar quão diferente foi o seu início quando analisamos, por exemplo, um de seus primeiros textos sobre o tema, “Versions of Narrative: Overt and Covert Narrators in Nineteenth Century Historiography”, publicado em 1989, quando ela era professora de História da Historiografia na Universidade de Bologna. Ali, Pomata ainda se deslocava entre as balizas tradicionais da memória disciplinar: “Ao longo do século XIX”, escreveu, “o ensino de história, e particularmente o treinamento dos historiadores foi institucionalizado nas universidades”, ou seja, “a história passou das mãos dos homens de letras para o professor acadêmico” (POMATA, 1989POMATA, Gianna. Versions of Narrative: Overt and Covert Narrators in Nineteenth Century Historiography. History Workshop Journal, Oxford, v. 27, n. 1, p. 1-17, 1989. Disponível em: https://tinyurl.com/39w6x8mu . Acesso em: 23 mar. 2017.
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, p. 5, tradução nossa). Dessa maneira, sua análise assumia integralmente o truísmo sobre a determinação da profissionalização acadêmica do historiador na transformação da natureza dos textos de história: “uma mudança crucial separa a historiografia Romântica da historiografia da segunda metade do século XIX: a história deixa de ser um ramo da literatura para se tornar uma disciplina científica” (POMATA, 1989POMATA, Gianna. Versions of Narrative: Overt and Covert Narrators in Nineteenth Century Historiography. History Workshop Journal, Oxford, v. 27, n. 1, p. 1-17, 1989. Disponível em: https://tinyurl.com/39w6x8mu . Acesso em: 23 mar. 2017.
https://tinyurl.com/39w6x8mu...
, p. 3, tradução nossa).

A mudança que vai levar à compreensão sobre a existência de história como “gênero epistêmico” muito antes da profissionalização acadêmica do historiador se deu a partir do interesse de Pomata pelas obras escritas por mulheres no século XVII. Em “History, Particular and Universal: On Reading Some Recent Women’s History Textbooks”, de 1993, Pomata já notava aquela preocupação prioritariamente cognitiva em textos de caráter narrativo do século XVII que ela, então, passou a tratar como historiográficos, e não literários. Ali, a presença da autoria feminina não só não era desprezível quantitativamente, como se mostrou fundamental para o debate sobre os objetos da história, isto é, sobre o que era merecedor ou não de ser registrado, sobre o que devia ser considerado como de importância “universal” ou “particular”. Para ela, as “histórias particulares”, como as memórias escritas por mulheres no século XVII, implicam uma “crítica da definição político-dinástica da história”, isto é, da “visão da história intimamente ligada à identidade masculina do estadista”. Assim, mesmo destinados a uma circulação limitada, alguns exemplos dessas histórias particulares, como as crônicas de conventos ou histórias de fundação de mosteiros e hagiografia, valem a pena ser examinados, “não apenas como uma fonte de informações históricas preciosas sobre o microcosmo da vida conventual, mas também como uma forma de registro histórico vinculado a uma identidade coletiva feminina” (POMATA, 1993POMATA, Gianna. History, Particular and Universal. On Reading Some Recent Women’s History Textbooks. Feminist Studies, Washington, v. 19, n. 1, p. 6-50, 1993. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/i359127 . Acesso em: 23 mar. 2017.
https://www.jstor.org/stable/i359127...
, p. 18-19, tradução nossa).

A trajetória de pesquisa que levou ao abandono daquela postura inicial em relação à historiografia anterior ao século XIX, então tratada como literatura em grande medida por sua forma narrativa, seu interesse pelo particular e sua alta carga moral (para não dizer subjetiva), foi determinante para a produção de artigos e capítulos de livro publicados entre 2005 e 2019, nos quais os estudos sobre a história, as observações e os relatos de casos médicos são acompanhados de explicações teórico-metodológicas acerca da noção de gênero epistêmico. Esses textos indicam de modo muito direto um diálogo com a epistemologia histórica através de elementos que, para essa apresentação, considerei prioritariamente em relação a outros aspectos da sua obra que, por conta da virada digital, nos colocariam em diálogo mais direto com os problemas contemporâneos da história literária.

O fator determinante, a relação que os gêneros epistêmicos mantêm com o conhecimento, que marca a sua especificidade em relação aos gêneros literários, e que busco destacar aqui, já estava estabelecido nos textos anteriores a 2014, quando Pomata publicou o artigo The medical case narrative: distant reading of an epistemic genre. Nele, Pomata sugeriu que a pesquisa sobre os gêneros epistêmicos poderia se beneficiar da abordagem da distant reading, do historiador da literatura Franco Moretti, um dos principais nomes das chamadas “humanidades digitais” ou, como ele preferia, “criticismo computacional”. Embora seja inegável que se trata de uma nova prática cognitiva estimulante para os historiadores - e que Pomata valoriza por radicalizar algo que ela propunha desde “Praxis Historialis” (2005), a ampliação espaço-temporal da história dos gêneros -, a presunção de que “sabemos mais” graças a uma abordagem quantitativa está no centro de muitos debates e de muitas críticas de pesquisadores da história literária, uma disciplina tradicionalmente hermenêutica e humanista. Esses debates e críticas apontam, por exemplo, para a prevalência dos estudos de síntese escritos em língua inglesa e por autores estadunidenses e europeus, mesmo que a propósito da literatura sul-americana ou asiática, ou ainda, para as limitações estruturais que a utilização de certos bancos de dados digitalizados seguindo a tendência de preservar prioritariamente os trabalhos de autores homens trazem para técnicas como a mineração de texto e modelagem de tópicos. Essas discussões no campo das humanidades digitais se tornaram ainda mais frequentes a partir de 2017, quando, no contexto do #MeToo, Moretti foi acusado de estupro e assédio sexual por alunas da UC Berkeley e da Johns Hopkins University5 5 Kimberly Latta, uma das pesquisadoras que denunciou Franco Moretti, escreveu seu relato pessoal sobre o que aconteceu em Berkeley em texto que pode ser lido na sua página do Academia: https://www.academia.edu/35221195/what_happened_at_berkeley_docx Remeto também ao texto “Distant Reading after Moretti”, de Lauren Klein, onde a autora reflete sobre e indica outras leituras acerca daquelas limitações estruturais que a abordagem sempre impôs às investigações sobre temas relacionados às mulheres - “gênero, de modo mais óbvio, mas também sexualidade, raça, classe e capacidades, entre muitos outros” - e o que pode ser feito para superá-las: https://tinyurl.com/2bjcc6h6 .

Como dizia, o ar de família entre as pesquisas de Pomata e a abordagem da “epistemologia histórica” não é casual. Professora emérita do Instituto de História da Medicina da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, Pomata também desenvolveu parte das suas pesquisas no Instituto Max Planck para a História da Ciência, em Berlim, junto ao departamento “Ideais e práticas de racionalidade”, dirigido por Lorraine Daston. O livro The faces of nature in Enlightenment Europe (2003), organizado por Pomata e Daston, que também assinaram juntas o primeiro capítulo, foi produzido justamente nesse contexto institucional. Ainda em 2003, Pomata e Nancy G. Siraisi organizaram, no mesmo local, com o apoio de Daston, o simpósio Historia: Explorations in the History of Early Modern Empiricism. É dele que resulta o livro Historia - Empiricism and Erudition in Early Modern Europe (2005), com textos de autores mais conhecidos dos pesquisadores brasileiros em Teoria da História e História da Historiografia, como Anthony Grafton e Donald R. Kelley. O livro se apresenta como uma investigação sobre historia enquanto “gênero epistêmico”, embora a expressão apareça quase que apenas negativamente, usada para explicar a tese das organizadoras por oposição a outras perspectivas historiográficas que assumiram de partida o argumento segundo o qual “a historia humanista do Renascimento era basicamente um gênero literário, e não um gênero epistêmico” (POMATA; SIRAISI, 2005POMATA, Gianna. Praxis Historialis: The Uses of Historia in Early Modern Medicine. In: POMATA, Gianna e SIRAISI, Nancy G. Historia: Empiricism and Erudition in Early Modern Europe. Cambridge: The MIT Press, p. 105-146, 2005., p. 4, tradução nossa).

Em 2011, Pomata publicou um capítulo no livro Histories of scientific observation, organizado por Daston e Elizabeth Lunbeck, que se referem a gênero epistêmico como “um formato textual padronizado com convenções identificáveis de estilo e de conteúdo” (DASTON e LUNBECK, 2011DASTON, Lorraine; LUNBECK, Elizabeth. Histories of scientific observation. Chicago/Londres: The University of Chicago Press, 2011. p. 45-80., p. 11, tradução nossa), associado a práticas científicas. É um trabalho que considero particularmente interessante, pois a preocupação científica com a história dos conceitos é mais comum quando estamos interessados por teorias e ideias, isto é, pela história daquilo que sabemos. Mas também é um acontecimento histórico quando um conjunto de práticas, aquilo que fazemos, recebe um nome que lhe imprime uma marca de coesão refletida - Quellenkritik, por exemplo, “crítica das fontes”. Também não é de pouca importância, tampouco acidental, quando práticas cognitivas passam a nomear gêneros textuais: “Tais são, por certo, minhas convicções, que me parecem baseadas nos fatos. Com tudo isso, é aqui o momento de advertir que não rejeito absolutamente os trabalhos de observação subjetiva”, escreveu Tobias Barreto (1889BARRETO, Tobias. Ensaios e Estudos de Philosophia e Critica. Pernambuco: Ed. José Nogueira de Souza, 1889., p. 31) em seus Ensaios e Estudos de Philosophia e Critica, de 1875. Estudando como se deu um caso de homonímia entre prática e gênero epistêmicos, Pomata afirma, em “Observation rising: birth of an epistemic genre, 1500-1600”, que até o começo do século XVI palavras como experientia, experimentum, contemplatio, consideratio e, com menos frequência, observatio eram usadas de modo muito confuso, desconcertante até, para se referir às várias práticas (hoje chamadas práticas observacionais) que se desenvolviam na astronomia, na astrologia, na astrometeorologia e, de modo menos evidente, na medicina, alquimia, história natural, fisiognomonia e no antiquarianismo. Entre elas, experientia e experimentum gozavam de melhor reputação, enquanto a observatio havia feito sua estreia como figurante e permanecido coadjuvante no linguajar filosófico seiscentista.

Entre 1530 e 1570, o plural observationes migrou das anotações nas margens de outros textos, como era encontrado na astrometeorologia medieval, para os títulos dos livros. Mas eles geralmente diziam experimenta et observationes, o primeiro termo como verdadeiro designador. Mesmo na obra de Bacon a luz brilha muito mais sobre experientia e experimentum. A explicação, diz Pomata (2011POMATA, Gianna. Observation rising: birth of an epistemic genre, 1500-1600. In: DASTON, Lorraine; LUNBECK, Elizabeth. Histories of scientific observation. Chicago/Londres: The University of Chicago Press . p. 45-80, 2011., p. 45), vem justamente da longa história de uso desses dois conceitos graças à sua ancoragem na filosofia aristotélica e na medicina hipocrática. Enquanto isso, observatio era “uma recém-chegada, com pouco ou nenhum pedigree filosófico - ou antes, com um pedigree que tinha sido marginal ou esquecido na filosofia medieval”, e que só seria plenamente redescoberto em meados do século XVII (POMATA, 2011POMATA, Gianna. Observation rising: birth of an epistemic genre, 1500-1600. In: DASTON, Lorraine; LUNBECK, Elizabeth. Histories of scientific observation. Chicago/Londres: The University of Chicago Press . p. 45-80, 2011., p. 46). Daston e Lunbeck resumem melhor o capítulo escrito para o livro Histories of scientific observation:

O ensaio de Pomata mapeia a emergência da observação como uma forma nomeada de experiência científica no século XVI e no início do século XVII e como um novo gênero de publicação, especialmente para médicos. As coleções de casos notáveis, extraídos tanto de suas próprias práticas quanto da literatura médica que remonta à antiguidade, publicadas por médicos (todos homens) no final do século XVI e XVII, transformaram observationes, uma palavra que estava cada vez mais presente em títulos de livros eruditos, em uma categoria de “experiência aprendida”, com seus próprios parâmetros e convenções. Partindo tanto das críticas da base empírica da astrologia quanto de um renascimento das defesas filosóficas e médicas helenísticas da experiência sobre a teoria, o novo gênero epistêmico distinguiu nitidamente a observação da conjectura - em forte contraste com uma tradição antiga e medieval que associou a observação às artes conjecturais, como a adivinhação. Na virada do século XVII, as palavras “observação” e “experimento” foram sendo cada vez mais combinadas, ambas designando o recurso à experiência em oposição aos sistemas racionalistas (DASTON e LUNBECK, 2011DASTON, Lorraine; LUNBECK, Elizabeth. Histories of scientific observation. Chicago/Londres: The University of Chicago Press, 2011. p. 45-80., p. 12, tradução nossa).

Algumas das teses apresentadas nesse capítulo de Histories of scientific observation foram antecipadas no artigo Sharing cases: The Observationes in Early Modern Medicine, de 2010, sobre as narrativas de casos médicos. Nele, Pomata sai em defesa do valor heurístico da sua proposta de classificação das observações seiscentistas e setecentistas associando-a a outra filiação historiográfica: gênero epistêmico, ela diz (POMATA, 2010POMATA, Gianna. Sharing Cases: The Observationes in Early Modern Medicine. Early Science and Medicine, Leiden, v. 10, p. 193-236, 2010. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/20750215 . Acesso em: 23 mar. 2017,
https://www.jstor.org/stable/20750215...
, p. 196), é parte da outillage mental, em sentido febvreano, mas sem a “nebulosa mentalidade”. Ele é uma “ferramenta cultural”:

Não há nada de nebuloso nos gêneros. Eles são convenções textuais altamente estruturadas e claramente reconhecíveis - poderíamos chamá-las de ferramentas textuais - transmitidas pela tradição para a expressão e comunicação de um conteúdo particular - no caso de gêneros epistêmicos, um conteúdo cujo caráter é visto como primariamente cognitivo. Os gêneros epistêmicos dão uma forma literária à empreitada intelectual e, ao fazê-lo, moldam e canalizam a prática cognitiva da atenção. Ao nos concentrarmos nos gêneros epistêmicos, prestamos atenção às formas de letramento [literacy] nas quais as práticas são inscritas (POMATA, 2010POMATA, Gianna. Sharing Cases: The Observationes in Early Modern Medicine. Early Science and Medicine, Leiden, v. 10, p. 193-236, 2010. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/20750215 . Acesso em: 23 mar. 2017,
https://www.jstor.org/stable/20750215...
, p. 196-197, tradução nossa).

Em 2015, Pomata organizou, novamente no Max Planck, o simpósio “Towards a History of Epistemic Genre: Textbooks and Commentary, Case and Recipe in the the Making of Medical Knowledge”, com a participação de Daston, Carlo Ginzburg e uma dúzia de outros conferencistas de diferentes países6 6 Programa disponível em: https://hopkinshistoryofmedicine.org/pec-events/towards-a-history-of-epistemic-genres/ . A noção de gênero epistêmico dava, então, a prova de validade própria às boas ferramentas: outros historiadores faziam coisas com ela. Daston, que apresentou conferência intitulada “Cloud atlases and the physiognomy of the sky”, desde 2007 já chamava a atenção dos historiadores para certos tipos de impresso associados aos conhecimentos e práticas científicos. Em Objectivity, ela e Peter Galison articularam um conjunto de conceitos e ferramentas criados ao longo de pelo menos uma década de pesquisa sobre a história da objetividade científica. Nesse livro, os atlas de imagens científicas ganham destaque por sua condição mesmo de forma textual padronizada associada a certas virtudes epistêmicas e práticas científicas emergentes que constituíam e estabilizavam os objetos científicos. Em síntese, “os atlas tinham implicações sobre quem os cientistas aspiravam ser, sobre como o conhecimento mais seguro era adquirido e sobre quais tipos de coisas existiam no mundo” (DASTON e GALISON, 2007DASTON, Lorraine; GALISON, Peter. Objectivity. Nova York: Zone Books, 2007., p. 10, tradução nossa).

Essas utensilagem metodológica e formas de problematização, que Daston não parou de enriquecer, começaram a chegar aos historiadores da historiografia brasileira, mas com poucos casos de referência a “gênero epistêmico” nesse sentido preciso que buscamos apresentar. João Ohara (2017OHARA, João Rodolfo Munhoz. Virtudes epistêmicas na historiografia brasileira (1980-1990). 2017. Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Estadual Paulista, Assis, 2017.), por exemplo, estudou “arqueo-genealogicamente” as resenhas, ensaios bibliográficos, homenagens e obituários de historiadores publicados em periódicos especializados, empregando noções elaboradas por Daston ou sob sua influência, como virtudes epistêmicas, persona acadêmica e scholarly self, que, ao longo dos anos, foram se tornando mais comuns por aqui. Acompanhando o interesse de Daston pela história da objetividade e das virtudes epistêmicas, mediado pelas pesquisas de Herman Paul sobre as formas textuais normalizadoras das maneiras de ser historiador, a historiografia brasileira logrou em mostrar a novidade radical representada pela interseção entre o reconhecimento do método como elemento de profissionalização dos historiadores - entendida, segundo Itamar Freitas (2021FREITAS, Itamar. Uma introdução ao método histórico (1870-1930). Aracaju: Criação Editora, 2021., p. 28-29), como “internalização e emprego equilibrado de um conjunto de virtudes epistêmicas atribuídas a historiadores típicos ou persona” - e a produção de manuais e livros didáticos como veículos do método.

Modernidade, presentismo, futurismo: os tempos do manifesto

O Manifesto de Manchester:

Os artefatos da ciência, tecnologia e medicina constituem um patrimônio material essencial da humanidade. Esses materiais devem ser preservados, interpretados e desenvolvidos por profissionais com profundo conhecimento de seu significado cultural. Portanto, no interesse da melhoria global e colocando o conhecimento para trabalhar, os participantes unidos do 24º Congresso Internacional de História da Ciência, Tecnologia e Medicina, realizado em Manchester, Reino Unido, em julho de 2013 declaram:

1. A história da ciência, tecnologia e medicina deve ser apoiada e financiada regular e continuamente por instituições estatais e privadas para garantir que as gerações mais jovens estejam familiarizadas com seu patrimônio científico, tecnológico e médico tal como interpretado por historiadores adequadamente treinados.

2. A história da ciência, tecnologia e medicina merece uma integração proeminente nos currículos das escolas, faculdades e universidades. As práticas locais e nacionais devem orientar essa integração (DIVISION OF THE HISTORY OF SCIENCE AND TECHNOLOGY…, 2022DIVISION OF THE HISTORY OF SCIENCE AND TECHNOLOGY OF THE INTERNATIONAL UNION OF THE HISTORY AND PHILOSOPHY OF SCIENCE AND TECHNOLOGY . Manifesto de Manchester sobre a História da Ciência e da Tecnologia. Revista de Teoria da História, Goiânia, v. 25, n. 1, p. 174-175, 2022. Disponível em: https://revistas.ufg.br/teoria/article/view/73564. Acesso em: 29 jul. 2022.
https://revistas.ufg.br/teoria/article/v...
, p. 174).

No artigo “Sharing Cases: The Observationes in Early Modern Medicine”, Pomata diz que, sendo “convenções textuais compartilhadas”, os gêneros são “intrinsicamente sociais”. “Contribuir para um gênero”, ela continua, “significa juntar-se conscientemente a uma comunidade; de fato, alguns gêneros são eminentemente ‘construtores de comunidades’.” (POMATA, 2010POMATA, Gianna. Sharing Cases: The Observationes in Early Modern Medicine. Early Science and Medicine, Leiden, v. 10, p. 193-236, 2010. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/20750215 . Acesso em: 23 mar. 2017,
https://www.jstor.org/stable/20750215...
, p. 196, tradução nossa). Em “Le temps du manifeste”, Serge Margel (2013MARGEL, Serge. Le temps du manifeste. Lignes, Paris, v. 1, n. 40, p. 5-7, 2013. Disponível em: https://www.cairn.info/revue-lignes-2013-1-page-5.htm . Acesso em: 18 abr. 2017.
https://www.cairn.info/revue-lignes-2013...
, p. 5, tradução nossa), notando o aparecimento de vários manifestos em diferentes campos de conhecimento, afirma que “eles inventaram uma ação específica que se denomina ‘coletiva’. Sem manifesto, não há coletivo, pode-se dizer”. O famoso manifesto publicado em 1929 sob o título “A concepção científica do mundo: o Círculo de Viena”, ou simplesmente “Manifesto do Círculo de Viena”, é um claro exemplo. Ele é revelador do lugar de marginalidade acadêmica de onde seu autor coletivo buscava ser escutado por um público mais amplo, e se designa no mesmo movimento que qualifica negativamente os outros e os convoca a aderir à sua concepção de mundo.

Inspirado pelos manifestos das vanguardas artísticas e literárias típicos da primeira metade do século XX (LORENZANO, 2002LORENZANO, Pablo. Presentación de La concepción científica del mundo: el Círculo de Viena. Revista Redes, Quilmes, v. 9, n. 18, p. 103-104, 2002.Disponível em: https://tinyurl.com/4dd6ed4v . Acesso em 10 jun. 2014.
https://tinyurl.com/4dd6ed4v...
, p. 103), o manifesto do Círculo de Viena reúne, como é típico do gênero, “o poder de enunciar um discurso que conta o coletivo, que o nomeia, o significa, o mostra, o situa, também o distingue, lhe dá um espaço e um tempo, o inscreve em uma escrita da história” (MARGEL, 2013MARGEL, Serge. Le temps du manifeste. Lignes, Paris, v. 1, n. 40, p. 5-7, 2013. Disponível em: https://www.cairn.info/revue-lignes-2013-1-page-5.htm . Acesso em: 18 abr. 2017.
https://www.cairn.info/revue-lignes-2013...
, p. 6, tradução nossa). Sua força política, e todo manifesto deve projetá-la, foi atestada violentamente cinco anos depois da sua publicação, quando um militante nazista assassinou Moritz Schlick - em torno de quem o Círculo se organizou - nas escadarias da Universidade de Viena. Do prefácio ao Manifesto, assinado por Hans Hahn, Otto Neurath e Rudolf Carnap :

Este Círculo não tem qualquer organização rígida; ele é composto por pessoas que têm a mesma atitude científica fundamental; cada indivíduo se esforça para incorporar-se significativamente ao grupo; cada um coloca à frente aquilo que o vincula aos outros; ninguém deseja refrear esses vínculos fazendo prevalecer suas particularidades. Muitas são as situações de troca. Assim, o trabalho de um pode ser continuado por outro. O objetivo do Círculo de Viena é colocar-se em contato com aqueles que têm uma orientação similar e estender sua influência sobre aqueles que ainda são estrangeiros em relação a ele (HAHN, NEURATH e CARNAP, 2002HAHN, Hans; NEURATH, Otto; CARNAP, Rudolph. Prefacio a La concepción científica del mundo: el Círculo de Viena. Revista Redes, Quilmes, v. 9, n. 18, p. 106, 2002. Disponível em: https://tinyurl.com/4dd6ed4v . Acesso em: 10 jun. 2014.
https://tinyurl.com/4dd6ed4v...
, p. 106, tradução nossa).

Os manifestos pertencem a uma categoria de textos que, nas palavras de Pomata (2014POMATA, Gianna. The Medical Case Narrative: Distant Reading of an Epistemic Genre. Literature and Medicine, Boston, v. 32, n. 1, p. 1-23, 2014. Disponível em: https://muse.jhu.edu/article/548071. Acesso em: 23 mar. 2017.
https://muse.jhu.edu/article/548071...
, p. 4, tradução nossa), “podem ser relacionados a uma ampla gama de atividades humanas, dentre as quais a produção de conhecimento é apenas uma”. Na última década, a ANPUH e suas seções estaduais, assim como outras entidades profissionais de historiadores no Brasil, se tornaram prolíficos produtores de manifestos, por meio dos quais investem politicamente a reflexão sobre os modos de fazer e ensinar a história e sobre o sentido dessas práticas no presente. Entre os exemplos mais recentes, temos o manifesto do Fórum Ensino de História, de 2019, sobre as reformas curriculares, o manifesto da ANPUH sobre a adoção de atividades de ensino remoto durante a pandemia, de junho de 2020, e o manifesto do III FORDHIFs sobre o PNLD, lançado em julho de 2021. Em uma busca simples no site da entidade nacional, encontramos dezenas de manifestos, abrangendo temas como a defesa do patrimônio cultural nacional, a vinculação de verbas para a educação pública, a defesa do Estado laico, a defesa dos direitos das vítimas de perseguição política na ditadura civil-militar brasileira, a destinação de verbas para ciência, tecnologia e inovação etc. Embora eles sejam, em sua maioria, muito mais “sindicais”7 7 Quero dizer, com isso, que os historiadores, professores de história, falam enquanto categoria profissional. Também seria possível apontar manifestos sindicais stricto sensu, como o “Manifesto de Historiadores em apoio à Chapa 2 Renova ANDES” (ABDALA JUNIOR, 2020, n.p.). do que epistêmicos, não raro deixam saber que a força do documento deriva também do fato de que seus autores são produtores de conhecimento histórico.

Pomata (2014POMATA, Gianna. The Medical Case Narrative: Distant Reading of an Epistemic Genre. Literature and Medicine, Boston, v. 32, n. 1, p. 1-23, 2014. Disponível em: https://muse.jhu.edu/article/548071. Acesso em: 23 mar. 2017.
https://muse.jhu.edu/article/548071...
, p. 4, tradução nossa) observa que “uma dimensão cognitiva pode ser parte da maioria dos tipos de texto, mas isso não significa que todos os textos possuem primariamente um propósito cognitivo”. Esse parece ser o caso do “Manifesto Historiadores pela Democracia”. O texto adaptado do vídeo-manifesto homônimo contra o golpe de 2016, que destituiu a presidenta eleita Dilma Rousseff, começa com um alerta sobre o fato histórico que eles reconhecem em pleno movimento, “Atenção, atenção! Ultrapassaram a fronteira rumo ao estado de exceção”, e termina com uma advertência que é ao mesmo tempo política e metodológica: “Historiadores do futuro, para fazer a história desse golpe, não vão poder se fiar na grande imprensa; eles terão que contar com a mídia alternativa, com as redes sociais e com a imprensa internacional” (HISTORIADORES PELA DEMOCRACIA, 2016HISTORIADORES PELA DEMOCRACIA . Manifesto Historiadores pela Democracia. In: MATTOS, Hebe, BESSONE, Tânia, MAMIGONIAN, Beatriz G. (org.) Historiadores pela democracia: o golpe de 2016 e a força do passado. São Paulo: Alameda, 2016., p. 173-174).

Contra esse manifesto, ergueram-se, como esperado, as mesmas forças que articularam, apoiaram ou se beneficiaram do golpe anterior, em 1964, e dos seus entulhos no Brasil pós-1988. Mas algumas das críticas que lhe foram dirigidas empestearam o ambiente também com o mal cheiro típico das racionalidades perimidas. Assim, por exemplo, na Folha de São Paulo, Demétrio Magnoli (2016MAGNOLI, Demétrio. Formação de Quadrilha. Folha de São Paulo, 25 jun. 2016. Disponível em: https://tinyurl.com/35wfzt6k. Acesso em 10 mai. 2017.
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), empregando uma famosa expressão tirada do livro de Marc Bloch - membro da Résistance, executado pelos nazistas -, exigia a submissão da História e dos historiadores ao novo regime que se impunha: “Todos os cidadãos têm o direito de se manifestar sobre a cena nacional. A iniciativa, porém, viola os princípios que regem o ofício do historiador.” O Estadão, antigo apoiador entusiasmado e de primeira hora da ditadura militar, publicou um editorial onde também atacava aqueles historiadores por seu suposto desrespeito à deontologia da profissão, que, segundo o jornal, em mais um caso de abdução do trabalho de Bloch, consistiria em uma “honesta submissão à verdade” (JORNAL O Estado de São Paulo, 2016JORNAL O Estado de São Paulo . O lugar de Dilma na História. O Estado de São Paulo, São Paulo, Opinião, 2016. Disponível em: https://tinyurl.com/24378jn8 . Acesso em 10 mai. 2017.
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, n.p.).

Mesmo quando não determinante, aquela “dimensão cognitiva” de certos manifestos pode ser reveladora das implicações epistêmicas da tomada de posição política dos historiadores em relação às questões do seu tempo. Mas não podemos esquecer da precisão que Pomata (2014POMATA, Gianna. The Medical Case Narrative: Distant Reading of an Epistemic Genre. Literature and Medicine, Boston, v. 32, n. 1, p. 1-23, 2014. Disponível em: https://muse.jhu.edu/article/548071. Acesso em: 23 mar. 2017.
https://muse.jhu.edu/article/548071...
, p. 3, tradução nossa) busca dar à noção que nos interessa: “Quando eu falo de gêneros epistêmicos, eu estou me referindo especificamente àqueles textos que estão associados, aos olhos dos seus autores, à prática de produção de conhecimento”. Se é possível dizer que os manifestos se tornaram um gênero epistêmico legítimo dos historiadores é porque, além daquelas manifestações sindicais voltadas para esfera pública, um levantamento inicial simples revela também dezenas de exemplos desses documentos que, mais do que possuir uma “dimensão cognitiva”, são fundamentalmente preocupados com o conhecimento histórico. Mas também não seria correto dizer desses manifestos teórico-metodológicos de historiadores que eles simplesmente possuem uma “dimensão política”. Neles, produção de conhecimento e política se unem para formar uma nova economia moral. Assim como os atlas estudados por Daston e Galison, os manifestos têm implicações sobre quem os cientistas - nesse caso, os historiadores - aspiram a ser, sobre como o conhecimento histórico mais seguro pode ser adquirido e sobre quais tipos de objetos os historiadores podem ou devem se debruçar.

Os manifestos de historiadores apresentam uma interpretação crítica prévia e preambular do contexto historiográfico atual, sem a qual não teriam razão de ser. É por isso que, retomando Margel (2013MARGEL, Serge. Le temps du manifeste. Lignes, Paris, v. 1, n. 40, p. 5-7, 2013. Disponível em: https://www.cairn.info/revue-lignes-2013-1-page-5.htm . Acesso em: 18 abr. 2017.
https://www.cairn.info/revue-lignes-2013...
, p. 6, tradução nossa), indicamos esses textos como atos performativos, que “tem um certo poder de produzir o acontecimento que designa”. Notamos isso em manifestos que apareceram associados às publicações de periódicos de certos grupos de historiadores e que propuseram de maneira muito direta uma reflexão simultaneamente epistemológica e política sobre o presente, a exemplo de “Face au vent: manifeste des Annales nouvelles”. Assinado por Lucien Febvre, publicado em 1946 (portanto logo após o fim da II Guerra Mundial) no primeiro número de Annales. Economies, sociétés, civilisations, novo título da revista que ele havia lançado com Bloch em 1929, “Face au vent” chamava os historiadores a um “exame de consciência”, à recusa da “erudição pela erudição”. Em vez disso, os Annales conclamam, “a História problematizando o passado, de acordo com as necessidades presentes da Humanidade: isso, sim. Esta é a nossa doutrina. Esta é a nossa História” (FEBVRE, 1946FEBVRE, Lucien. Face au vent: manifeste des Annales nouvelles. Annales. Economies, sociétés, civilisations, n. 1, pp. 1-8, 1946. Disponível em: http://www.persee.fr/doc/ahess_0395-2649_1946_num_1_1_3175
http://www.persee.fr/doc/ahess_0395-2649...
, p. 08 tradução nossa). Na historiografia brasileira, podemos citar o “Manifesto Arrabaldes” publicado no número de lançamento da revista, em 1988 (a data é igualmente importante aqui): “ARRABALDES, em última-primeira instância, intenta configurar-se como instrumento capaz de viabilizar a relação entre a prática teórica e a prática política; o que nos remete à contemporaneidade do pensamento de Antonio Gramsci” (COLETIVO EDITORIAL DE ARRABALDES, 1988COLETIVO EDITORIAL DE ARRABALDES. Manifesto Arrabaldes. Revista Arrabaldes. Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, mai.-ago. 1988., p. 9).

Annales. Economies, sociétés, civilisations foi publicada sob os auspícios da École des hautes études en sciences sociales e esteve sob a direção editorial de alguns dos principais “mandarins” da historiografia francesa. O “Coletivo Editorial Arrabaldes”, por sua vez, era formado por jovens licenciados e bacharéis em História da UFF e UFRJ, cujo manifesto era inicialmente um trabalho apresentado na Semana de História e Educação da UNESP, em 30 de outubro de 1987. Em “Le paradoxe institutionnel du manifeste”, de 1980, Anne-Marie Pelletier já refletia sobre essa curiosa situação, em que um modo discursivo marcado por sua dimensão polêmica passa a ser publicado com legitimidade institucional ou em busca dela. Trata-se da disciplinarização da “dinâmica do deslocamento, da transformação”, diferente daquelas mais típicas, nesse contexto institucional, do “balanço” e da “ratificação” (PELLETIER, 1980PELLETIER, Anne-Marie. Le paradoxe institutionnel du manifeste. Littérature, Paris, v. 1, n. 39, p. 17-22, 1980. Disponível em: https://tinyurl.com/y7h4pmb2 . Acesso em: 19 abr. 2017.
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, p. 18).

Segundo Pelletier, aquela dinâmica pode ser notada no fato de que esses manifestos institucionais sempre se apresentam como um ponto de partida e nunca de chegada, mesmo que sejam “a concretização escrita de um trabalho anterior de maturação e de mobilização”. Nesses manifestos associados a periódicos científicos, podemos ver de modo privilegiado, citando novamente Pelletier (1980PELLETIER, Anne-Marie. Le paradoxe institutionnel du manifeste. Littérature, Paris, v. 1, n. 39, p. 17-22, 1980. Disponível em: https://tinyurl.com/y7h4pmb2 . Acesso em: 19 abr. 2017.
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, p. 18, tradução nossa), a capacidade que tem a instituição “contra a inércia da autorreprodução, a capacidade de se projetar para a frente num movimento que problematiza um consenso, uma ordem estabelecida, para recompô-los segundo novos interesses e valores”. Poderíamos citar o manifesto da revista Espace-Temps, publicado por seu comitê editorial em 1976, quando a revista comemorava o primeiro aniversário. Seu editor, Alain Bidaud, contextualiza o manifesto “Espace-Temps, pourquoi?”, que seu grupo acabara de publicar, após a reinvenção da revista, na sequência do que foi denunciado como uma tentativa de censura por parte da direção da École Normale Supérieure de l’Enseignement Technnique:

Esse número 4 é particularmente apto a suscitar reações que desejamos numerosas. De fato, nós publicamos neste número um texto, para nós fundamental, debatido durante muito tempo pelos participantes do comitê de redação. Esse “manifesto de Espace-Temps” especifica quais são nossas orientações, nossas pretensões no domínio das ciências sociais, mais particularmente na história, na geografia e na prática de ensino dessas disciplinas:

  • Pensar a Geografia

  • Refletir sobre a História

  • Interrogar as Ciências Sociais

  • Intervir sobre o ensino,

essa palavra de ordem não é apenas uma tomada de posição teórica, mas se estende igualmente em uma vontade de prática. O conjunto do “manifesto” é o ponto de chegada das discussões, mas nós esperamos que seja também um ponto de partida para os debates por vir (BIDAUD, 1976BIDAUD, Alain. Éditorial. Espace-Temps, Cachan, n. 4, p. 1-2, 1976. Disponível em: https://tinyurl.com/5t3y98zr . Acesso em: 18 abr. 2017.
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, p. 1-2).

Para entender essa relação definidora com a política e com o presente que passa a ser parte do projeto cognitivo dos historiadores, é preciso considerar o manifesto historicamente, e em longa duração, como propõe Pomata, ou seja, antes mesmo de sua transformação em gênero epistêmico. Como gênero tipicamente moderno, cujo principal exemplo permanece o Manifesto do Partido Comunista, escrito por Marx e Engels em 1848, o manifesto denunciava e reagia contra a pretensa ideia de universalidade advogada para si mesma pela moral da burguesia, que se afirmou enquanto agente histórico junto com o desenvolvimento da modernidade. Assim, contrariando o slogan, apareceram no período manifestos de grupos específicos que se sentiam deixados de fora dos discursos sobre a igualdade dos homens e sua marcha em direção ao progresso. São essas as questões retomadas por Janet Lyon, em seu já clássico Manifestoes: provocations of the modern, onde propõe uma história e uma teoria do gênero manifesto, associadas à história das lutas políticas das mulheres. Dessa maneira, Lyon provoca a reflexão sobre o caráter ideológico da unidade que se costuma atribuir ao tempo histórico moderno:

Em outras palavras, a modernidade privilegia aqueles que se apropriam ou a quem é concedido um ponto de vantagem de onde formas específicas de temporalidade cultural são empoderadas como universais. A modernidade não é uma entidade aparentemente atemporal caracterizada pelo período, pelo progresso e pelo desenvolvimento, embora sua narrativa frequentemente prefira esse enredo. Ela é, em vez disso, sujeita às várias descontinuidades do tempo que sua narrativa busca disfarçar: diferentes “tempos” coexistem dentro do mesmo momento histórico discreto, do mesmo modo como certamente muitos tempos “homólogos” existem através dos séculos. Meu argumento é que, embora a forma manifesto seja em si mesma um produto da modernidade, e embora ele busque produzir a mudança moderna, ele também causa uma disrupção na mansa superfície temporal da história ao marcar, para nós, precisamente aqueles momentos em que a “história” se repete e também, reciprocamente, aqueles momentos em que eventos históricos aparentemente sólidos se partem em fragmentos não sincrônicos (LYON, 1999LYON, Janet. Manifestoes: provocations of the Modern. Ithaca: Cornell University Press, 1999., p. 204-205).

Como exemplo dessa situação, Lyon cita o caso da Revolução Francesa, esse acontecimento determinante para nossa imagem singular do tempo moderno. À medida que os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade se aproximavam das colônias francesas, intensificaram-se os atos de repressão contra os escravizados e “mulatos” promovidos por colonos brancos que haviam jurado fidelidade à Revolução de 1789. Já em outubro de 1790, Lyon nos lembra, “a Assembleia Nacional Francesa retirou os Direitos do Homem das colônias” (LYON, 1999LYON, Janet. Manifestoes: provocations of the Modern. Ithaca: Cornell University Press, 1999., p. 204, tradução nossa). Dessa maneira, ela prossegue, a Revolução e sua temporalidade paravam nas fronteiras de raça e gênero da França: “sob a jurisdição da Revolução, escravos continuariam como propriedade de brancos colonialistas e as mulheres seriam cidadãs apenas de nome” (LYON, 1999LYON, Janet. Manifestoes: provocations of the Modern. Ithaca: Cornell University Press, 1999., p. 204, tradução nossa). Mas, ela destaca na sequência, durante a revolução haitiana, o ato de declaração da independência do país foi feito “usando precisamente a linguagem empregada pelos revolucionários franceses contra seu rei” (LYON, 1999LYON, Janet. Manifestoes: provocations of the Modern. Ithaca: Cornell University Press, 1999., p. 204, tradução nossa), ou seja, por meio de um manifesto: “Juremos ao mundo inteiro, à posteridade, a nós mesmos, afastar-nos da França para todo sempre, e morrer em vez de viver sob seu domínio”, escreveu o General Jean-Jacques Dessalines (apud ARMITAGE, 2011ARMITAGE, David. Declaração de Independência: uma história global. Tradução de Angela Pessoa. São Paulo: Companhia das Letras, 2011., p. 144), em 1804. “É precisamente essa característica do manifesto - a ênfase no ‘agora, e não depois’”, diz Lyon (1999LYON, Janet. Manifestoes: provocations of the Modern. Ithaca: Cornell University Press, 1999., p. 204-205, tradução nossa), “que gira a modernidade para o seu eixo a fim de revelar sua história não apenas como progresso, mas também como conflitos e repetições”. Ao confrontar esses diferentes manifestos (o dos revolucionários franceses e o dos haitianos) temporalmente relacionados, Lyon (1999LYON, Janet. Manifestoes: provocations of the Modern. Ithaca: Cornell University Press, 1999., p. 204, tradução nossa) mostra como o gênero fragmenta “o mito da revolução una e simultânea” e expõe “os múltiplos ‘tempos’ simultâneos de revoluções desenvolvidas de modo diferente e valorizadas de modo desigual”.

Assumindo o caráter político do gênero, mas direcionando sua força disruptiva contra os ideais de racionalidade pretensamente universais da produção científica, os manifestos adquiriram uma nova função para os historiadores contemporâneos, servindo à defesa da produção de novos conhecimentos, práticas e objetos a partir de perspectivas teóricas (ainda) não hegemônicas. Tratá-los como representantes de um gênero epistêmico significa dizer que o manifesto é o transporte de um projeto cognitivo, que por sua vez é moldado pela forma manifesto, o que se expressa tanto em sua dimensão política quanto temporal. Esses manifestos são uma tomada de posição dos produtores de conhecimento histórico em relação ao presente da sua sociedade (que muitas vezes também é seu objeto), ao mesmo tempo que propõem uma intervenção sobre o presente e o futuro da História enquanto área do saber.

Para Pomata, a emergência, a transformação e o desaparecimento de um gênero epistêmico revelam profundas mudanças nos modos coletivos de pensamento. O manual de método histórico, por exemplo, é um gênero moribundo em nossos dias e esse fato é tão relevante para a história da historiografia como o seu nascimento, que podemos associar tanto a certa concepção da relação entre teoria, método e objeto no pensamento científico do século XIX quanto às economias morais e virtudes epistêmicas dos historiadores do período. Uma transformação importante ocorrida no processo gradual de disciplinarização do manifesto, até sua consolidação contemporânea como gênero epistêmico não apenas legítimo, mas corriqueiro, para os debates teórico-metodológicos sobre a história, foi a sua liberação daquela exigência de expressão de um coletivo. Quando digo corriqueiro, penso justamente nessa possibilidade aberta atualmente aos produtores de conhecimento histórico de identificar seus textos como manifestos, com a mesma naturalidade com que publicam, por exemplo, ensaios ou estudos. Poderia multiplicar os exemplos: o “Manifeste pour l’histoire”, que Eric Hobsbawm publicou no Le Monde Diplomatique, o livro The History Manifesto, de Jo Guldi e David Armitage, o “Manifesto for the history of the media”, de Mark Poster, “The closed space of choice: a manifesto on the future of history”, de Elizabeth Deeds Ermarth, o “Manifesto for an analytical political history”, de Frank Ankersmit, “Historiographical criticism: a manifesto”, de Ewa Domanska, “The debate between postmodern and historiography: an accounting historian’s manifesto”, de Thomas Tyson e David Oldroyd, “Como não escrever sobre história da física: um manifesto historiográfico”, de Roberto de Andrade Martins, “Art History that! A manifesto for the future of a discipline”, de Amy K Hamlin e Karen J. Leader, “New methodologies in library history: a manifesto for the ‘new’ library history”, de Alistair Black, “Art history and the culture of the image: a manifesto for global art history” etc.

Essa transformação na autoria dos manifestos, que se tornam cada vez mais um gênero escrito em forma de declaração individual, não se restringe àqueles pertencentes ao tipo epistêmico, sendo percebida, também, nos manifestos artísticos. Assim, como nota Eva Yampolski (2013YAMPOLSKI, Eva. Manifeste mode d’emploi. L’action collective à l’époque des réseaux socionumériques. Lignes, Paris , v. 1, n. 40, p. 151-167, 2013. Disponível em: https://tinyurl.com/3eph3n6x. Acesso em: 18 abr. 2017.
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, p. 153, tradução nossa), para quem essa mudança está relacionada às transformações na esfera pública provocadas pela internet e pelas redes sociais, é por meio de “um inventário de princípios, de regras morais, de um manual de uso para fins pessoais e profissionais, que os autores desses manifestos tentam deixar uma marca duradoura, um ‘legado’ para a posteridade”. No entanto, não se deve exagerar o sentido dessa individualização nas formas textuais da comunicação científica. Há quase um século, Ludwik Fleck (2010FLECK, Ludwik. Gênese e desenvolvimento de um fato científico: introdução à doutrina do estilo de pensamento e do coletivo de pensamento. Tradução de Georg Otte e Mariana Camilo de Oliveira. Belo Horizonte: Fabrefactum, 2010., p. 36) alertava: “Aquele que considera o contexto social como um malum necessarium (...) ignora que não existe verdadeiramente nenhum ato cognitivo possível sem fator social.” Como gênero epistêmico, esses manifestos de autoria individual fazem parte do processo social de produção do verdadeiro no interior daquilo que Bachelard chamava de “cidade científica”. Essa economia entre a autoria individual e o estatuto social das ciências fica clara no livro híbrido de Ivan Jablonka, L’histoire est une littérature contemporaine: Manifeste pour les sciences sociales, de 2014:

(...) o presente manual de instruções também tem um quê de manifesto. Nele, direi “eu”, porque estou expondo minha convicção e minha prática; direi “nós”, porque somos uma comunidade - talvez uma geração - de pesquisadores, escritores, jornalistas e editores unidos por uma reflexão sobre as ciências sociais, as formas de pesquisa, a escrita do mundo real e a necessidade de nos reinventarmos. É claro que nossa reflexão não surge do nada. Ela está enraizada nos experimentos de nossos antepassados e nos sucessos de nossos predecessores, que, cada um à sua maneira, escreveram a história ou recontaram o mundo (JABLONKA, 2018JABLONKA, Ivan. History is a contemporary literature: manifesto for the social sciences. Trad. Nathan J. Bracher. Londres: Cornell University Press, 2018., p. 10, tradução nossa).

Essa nova forma de autoria individual do manifesto como gênero epistêmico dos historiadores, portanto, se firmou junto com a marca social própria ao conhecimento científico, expressa às vezes de modo muito direto. De fato, haverá prova mais eficiente da consolidação do manifesto como gênero textual da Teoria e Metodologia da História do que uma coletânea de textos sobre a disciplina escritos sob encomenda? É o caso do livro, já mencionado na apresentação do artigo, Manifestos for History, que reúne quinze manifestos individuais encomendados por Keith Jenkins, Sue Morgan e Alun Munslow. Segundo Hayden White (2007WHITE, Hayden. Afterword: Manifesto Time. In: JENKINS, Keith; MORGAN, Sue; MUNSLOW, Alun. Manifestos for History. Nova York: Routledge , 2007, pp. 220-231., p. 220), no posfácio ao livro, onde reflete sobre o sentido da sua publicação, a escolha por esse “gênero radical” pressupõe não apenas um tempo de crise, mas de uma crise aberta, exposta aos olhos de todos. Seu tempo, então, seria o presente e o futuro imediato - o passado não interessa senão como parte de um problema a ser resolvido. Assim, os organizadores do livro explicam que, no contato com os autores convidados, pediram que seus manifestos girassem em torno da seguinte questão (que, é verdade, nem todos responderam com o mesmo entusiasmo):

Qual tipo de conscientização histórica eles desejariam que seus alunos de história tivessem para fazer as coisas que eles acreditam que os estudantes deveriam estar fazendo - e pensando - no melhor dos mundos possíveis, levando em consideração as circunstâncias do hoje? (JENKINS; MORGAN; MUNSLOW, 2007JENKINS, Keith; MORGAN, Sue; MUNSLOW, Alun. Introduction: On fidelity and Diversity. In: JENKINS, Keith; MORGAN, Sue; MUNSLOW, Alun. Manifestos for History. Nova York: Routledge, 2007., p. 3, tradução nossa)

Frequentemente os manifestos escrevem apesar de, contra obstáculos muitas vezes reais, outras vezes imaginários, mas, como gênero epistêmico sancionado, poderíamos dizer disciplinado, eles nunca irão tão longe a ponto de negar a racionalidade e legitimidade social do conhecimento histórico. O que o manifesto permite é a defesa de novos modos de produção e transmissão do conhecimento histórico. Fazendo um diagnóstico e um prognóstico geralmente preocupantes sobre o presente e o futuro da sua disciplina e das sociedades em que vivem (e das quais eles não desejam mais e nem aceitariam ser apenas os observadores distantes e livres de valores), os historiadores, cada vez mais engajados, em vez de se renderem ao presente onipotente, apontam, através de manifestos, os caminhos para a construção imediata de um futuro diferente, para aquilo que a História pode ou deve se tornar caso queira manter sua relevância social e seu estatuto como ciência. Assim, embora uma análise aprofundada, comparada, em longa duração e espacialmente ampla das transformações pelas quais o manifesto passou na historiografia ainda esteja por ser escrita, já é possível afirmar que sua compreensão como “gênero epistêmico” ajuda a dar consistência histórica às análises acerca das mudanças ocorridas na economia moral da nossa ciência desde o pós-Segunda Guerra. Para dizer brevemente: o gênero epistêmico manifesto ajudou a criar e a legitimar o caráter político que a Teoria e a Metodologia da História assumiram nas últimas décadas.

Considerações finais

Últimas palavras de definição. Convém esclarecer que, embora seja sempre textual, a preocupação imediata com a publicação não é um elemento decisivo para a determinação de um gênero epistêmico. Além disso, falar “gênero epistêmico” não significa que essas formas textuais sejam desprovidas de qualquer outro tipo de interesse. Para Pomata (2014POMATA, Gianna. The Medical Case Narrative: Distant Reading of an Epistemic Genre. Literature and Medicine, Boston, v. 32, n. 1, p. 1-23, 2014. Disponível em: https://muse.jhu.edu/article/548071. Acesso em: 23 mar. 2017.
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, p. 3), embora existam muitos estudos sobre as cartas, por exemplo, eles “não nos ajudam muito quando queremos entender seu uso para propósitos epistêmicos, como foi empregado rotineiramente na medicina, história natural e astronomia no começo da modernidade”. Quem acessa, por exemplo, a “Correspondência Científica de Oswaldo Cruz”,8 8 Disponível na Biblioteca Virtual Oswaldo Cruz: https://tinyurl.com/4kk7fjff logo vê que muitas cartas trocadas privadamente entre cientistas sobre seus trabalhos possuem o estatuto de gênero epistêmico por possuírem, aos olhos dos seus autores, um caráter prioritariamente cognitivo, mesmo que tingidas com afeto, respeito profissional, amizade, cordialidade, admiração, rivalidade, ressentimento, desprezo, inveja etc. O mesmo pode ser dito do parecer de artigo.

Certas relações entre cognição e paixões presentes nos gêneros epistêmicos podem ser explicadas por meio da ampliação, proposta por Daston, no artigo “A economia moral da ciência”, da terminologia de Fleck em Gênese e desenvolvimento de um fato científico: “o sentido aqui é Gefühl - bem como um Denkkollektiv [coletivo de sentimento e coletivo de pensamento]”, ou seja, “modos de sentir, bem como modos de ver, manipular e compreender” (DASTON, 2017DASTON, Lorraine. A economia moral da ciência. In: DASTON, Lorraine. Historicidade e objetividade. Organização de Tiago Santos Almeida. Tradução de Derley M. Alves e Francine Iegelski. São Paulo: Liber Ars , 2017. Coleção Epistemologia Histórica., p. 40). Isso pode ser observado, por exemplo, nos memoriais frequentemente exigidos em momentos decisivos das carreiras dos professores universitários de história, pertencentes à linhagem dos gêneros epistêmicos nascidos na modernidade como articuladores da “vida” e da “obra” dos cientistas, e que Daston e Galison apontaram como fontes para a história do “scientific self” em Objectivity. O memorial de concurso apresenta uma ego-história geralmente bastante linear, que, em Faiseurs d’histoire. Manifeste por une histoire indisciplinée, Philippe Gumplowicz, Alain Rauwel e Philippe Salvadori (2016GUMPLOWICZ, Philippe; RAUWEL, Alain; SALVADORI, Philippe (orgs.). Faiseurs d’histoire. Manifeste pour une histoire indisciplinée. Paris: PUF, 2016., Avant-propos, n.p.), definem como uma espécie de “relato autobiográfico destinado a mostrar como nos tornamos os historiadores que somos ou que acreditamos ser, em todo caso, os historiadores que pedimos aos nossos pares que reconheçam”. Hallhane Machado (2021MACHADO, Hallhane. A liberdade do pensamento. Estudo sobre o fundo místico da história de Alexandre Koyré. 2021. Tese (Doutorado em História). Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2021., p. 207) mostrou, em sua tese de doutorado, as consequências graves e duradouras para a historiografia das ciências da crença dos comentadores de Koyré na tese da “unidade de pensamento” - unindo o místico Jacob Boehme a Copérnico -, uma interpretação que o filósofo-historiador apresentou sobre si mesmo justamente num memorial de concurso, o clássico texto “Orientations et projets de recherche”, publicado nos Études d’histoire de la pensée scientifique.

Certas formas privadas de escrita também podem exibir muito claramente o poder autodisciplinador dos gêneros epistêmicos, como no caso do leitor que num documento de uso puramente pessoal, como o fichamento, identifica no topo da página o livro lido com referenciamento em formato ABNT. Documentos desse tipo, isto é, não destinados à publicação e fundamentalmente voltados para a cognição, já têm aparecido de modo consistente no campo da história da historiografia, a exemplo das notas de curso e fichas de leitura escritas por Canguilhem e Foucault, cujos arquivos na França tem atraído historiadores brasileiros nos últimos anos. Embora os cursos de Canguilhem fossem pensados para um público ao mesmo tempo amplo e especializado, as anotações preparatórias para cada aula foram escritas apenas para os olhos do professor. Agora, elas permitem o surgimento de novas interpretações sobre os processos de formação do seu pensamento e afirmam a existência de um “lugar de fala” (no sentido empregado por Barthes, em Fragmentos de um discurso amoroso) de historiador na obra de Canguilhem (cf.ALMEIDA, 2018ALMEIDA, Tiago Santos. Canguilhem e a gênese do possível. Estudo sobre a historicização das ciências. São Paulo: Liber Ars, 2018. Coleção Epistemologia Histórica.). Já o grande projeto de pesquisa “Foucault Fiches de Lecture (FFL)”, situado no quadro das humanidades digitais, tem disponibilizado online milhares de páginas de citações e referências organizadas e comentadas por Foucault para a pesquisa sobre os temas dos seus livros e preparação dos seus cursos, possibilitando novas interpretações da obra publicada a partir da análise conjunta das suas práticas de leitura e escrita. Com essa enorme coleção de fichamentos de leitura, os coordenadores do projeto pretendem “não apenas tornar acessíveis as fontes do filósofo, mas contribuir para a elaboração de uma hermenêutica filosófica que repouse sobre a análise das práticas documentais e dos estilos de trabalho de Foucault”. 9 9 Ver a apresentação do projeto disponível em : https://ffl.hypotheses.org/presentation-du-projet

Assim, longe de sobrecarregar com mais uma abordagem os campos da História da Historiografia e da Teoria e Metodologia da História, acredito que a utilização da ferramenta “gênero epistêmico”, originária da História dos Conhecimentos, pode ajudar a fixar o interesse pelas formas textuais que acompanham - algumas delas há séculos - a produção do conhecimento histórico e ajudaram a definir os modos de ser profissional dos historiadores, além de ajudar na identificação de novos exemplos desses objetos culturais cuja função, Pomata não nos deixa esquecer, é fundamentalmente cognitiva.

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  • POMATA, Gianna. Praxis Historialis: The Uses of Historia in Early Modern Medicine. In: POMATA, Gianna e SIRAISI, Nancy G. Historia: Empiricism and Erudition in Early Modern Europe. Cambridge: The MIT Press, p. 105-146, 2005.
  • POMATA, Gianna. Sharing Cases: The Observationes in Early Modern Medicine. Early Science and Medicine, Leiden, v. 10, p. 193-236, 2010. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/20750215 Acesso em: 23 mar. 2017,
    » https://www.jstor.org/stable/20750215
  • POMATA, Gianna. The Medical Case Narrative in Pre-Modern Europe and China: Comparative History of an Epistemic Genre. In: GINZBURG, Carlo; BIASIORI, Lucio (orgs.). A Historical Approach to Casuistry: Norms and Exceptions in a Comparative Perspective. Londres: Bloomsbury Academic, 2019, p. 15-44.
  • POMATA, Gianna. The Medical Case Narrative: Distant Reading of an Epistemic Genre. Literature and Medicine, Boston, v. 32, n. 1, p. 1-23, 2014. Disponível em: https://muse.jhu.edu/article/548071 Acesso em: 23 mar. 2017.
    » https://muse.jhu.edu/article/548071
  • POMATA, Gianna. Versions of Narrative: Overt and Covert Narrators in Nineteenth Century Historiography. History Workshop Journal, Oxford, v. 27, n. 1, p. 1-17, 1989. Disponível em: https://tinyurl.com/39w6x8mu Acesso em: 23 mar. 2017.
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  • WALLACE, Alfred Russel. Viagens pelo Amazonas e rio Negro. Tradução de Orlando Torres. São Paulo; Rio de Janeiro; Recife; Porto Alegre: Companhia Editora Nacional, 1939.
  • WHITE, Hayden. Afterword: Manifesto Time. In: JENKINS, Keith; MORGAN, Sue; MUNSLOW, Alun. Manifestos for History. Nova York: Routledge , 2007, pp. 220-231.
  • YAMPOLSKI, Eva. Manifeste mode d’emploi. L’action collective à l’époque des réseaux socionumériques. Lignes, Paris , v. 1, n. 40, p. 151-167, 2013. Disponível em: https://tinyurl.com/3eph3n6x Acesso em: 18 abr. 2017.
    » https://tinyurl.com/3eph3n6x
  • 1
    Sobre a relação entre Teoria da História, História da Historiografia e História do Conhecimento, ver o dossiê “History of Knowledge”, publicado pela History & Theory em dezembro de 2020 (v. 59, n. 4): https://onlinelibrary.wiley.com/toc/14682303/2020/59/4
  • 2
    Cf.DASTON, 2017DASTON, Lorraine. The History of Science and the History of Knowledge. KNOW, Chicago, v. 1, n. 1, p. 131-154, 2017a. Disponível em: https://www.journals.uchicago.edu/doi/10.1086/691678. Acesso em: 4 mai. 2017.
    https://www.journals.uchicago.edu/doi/10...
    , p. 37: “Somos herdeiros de uma antiga tradição que opõe a vida da mente à vida do coração, e de uma mais recente que opõe fatos a valores. Uma vez que a ciência em nossa cultura se tornou um exemplo de racionalidade e facticidade, sugerir que ela depende de modo essencial de constelações muito específicas de emoções e valores soa paradoxal. Emoções podem alimentar o trabalho científico oferecendo motivação, valores podem se infiltrar em produtos científicos como ideologia ou sustentá-los como normas institucionalizadas, mas nem emoções nem valores penetram o núcleo da ciência - tais são os limites que estas oposições habituais parecem ditar. O ideal de objetividade científica afirma atualmente, de modo insistente, a existência e impenetrabilidade desses limites. Afirmarei, entretanto, que não apenas a ciência tem o que chamarei de economia moral (na verdade, várias), estas economias morais são ademais constitutivas dos aspectos considerados comumente (e, penso eu, corretamente) mais característicos da ciência como modo de conhecimento. Dito de modo mais agudo e específico: certas formas de empirismo, quantificação e da própria objetividade não apenas são compatíveis com economias morais, elas exigem economias morais”.
  • 3
    A partir da conferência “Epistemic Genres: Tools for the Cultural History of Knowledge”, apresentada por Gianna Pomata em 16 de fevereiro de 2015, na EHESS, Paris. Resumo disponível em: http://gehm.ehess.fr/index.php?3332
  • 4
    Temístocles Cezar também tornou conhecido para um público mais amplo, com a republicação na coletânea Ensaios de historiografia, um artigo exemplar de Manoel Salgado Guimarães (2022GUIMARÃES, Manoel Salgado. Ensaios de historiografia. Organização, tradução e notas de Temístocles Cezar. Vitória: Ed. Milfontes, 2022.) sobre o tema, intitulado “História e Natureza em von Martius: esquadrinhando o Brasil para construir a nação”. O artigo foi originalmente publicado na revista História, Ciências, Saúde. Manguinhos, uma referência para a historiografia das ciências e da saúde no Brasil.
  • 5
    Kimberly Latta, uma das pesquisadoras que denunciou Franco Moretti, escreveu seu relato pessoal sobre o que aconteceu em Berkeley em texto que pode ser lido na sua página do Academia: https://www.academia.edu/35221195/what_happened_at_berkeley_docx Remeto também ao texto “Distant Reading after Moretti”, de Lauren Klein, onde a autora reflete sobre e indica outras leituras acerca daquelas limitações estruturais que a abordagem sempre impôs às investigações sobre temas relacionados às mulheres - “gênero, de modo mais óbvio, mas também sexualidade, raça, classe e capacidades, entre muitos outros” - e o que pode ser feito para superá-las: https://tinyurl.com/2bjcc6h6
  • 6
    Programa disponível em: https://hopkinshistoryofmedicine.org/pec-events/towards-a-history-of-epistemic-genres/
  • 7
    Quero dizer, com isso, que os historiadores, professores de história, falam enquanto categoria profissional. Também seria possível apontar manifestos sindicais stricto sensu, como o “Manifesto de Historiadores em apoio à Chapa 2 Renova ANDES” (ABDALA JUNIOR, 2020ABDALA JUNIOR., Roberto et al. Manifesto de historiadores em apoio à Chapa 2 Renova ANDES. Fórum Renova Andes, 25 out. 2020. Disponível em: https://tinyurl.com/mrt9vfmx . Acesso em: 26 out. 2020.
    https://tinyurl.com/mrt9vfmx...
    , n.p.).
  • 8
    Disponível na Biblioteca Virtual Oswaldo Cruz: https://tinyurl.com/4kk7fjff
  • 9
    Ver a apresentação do projeto disponível em : https://ffl.hypotheses.org/presentation-du-projet

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

  • Financiamento

    Programa Nacional de Pós-Doutorado, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (PNPD/CAPES).
  • Aprovação no comitê de ética

    Não se aplica
  • Modalidade de avaliação

    Duplo-cega por pares.
  • Contexto de pesquisa

    O artigo tem como base as comunicações orais não publicadas: “Um novo ‘gênero epistêmico’ para os historiadores: o manifesto”, inscrita no 30º Simpósio Nacional de História da Associação Nacional de História, em 2019, e “Estudo sobre a noção de ‘gênero epistêmico’: o manifesto”, apresentada, em 2020, no 17º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia. Elas foram preparadas no âmbito da pesquisa de pós-doutorado intitulada “Para uma historiografia epistemológica: práticas, categorias e virtudes epistêmicas”, desenvolvida entre 2018 e 2022 junto ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Goiás, sob a supervisão de Marlon Salomon.
  • Disponibilidade de dados de pesquisa e outros materiais

    Não se aplica.

Editado por

Editores responsáveis

Flávia Varella - Editora-chefe Fabio Duarte Joly - Editor executivo

Disponibilidade de dados

Não se aplica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2022
  • Revisado
    12 Set 2022
  • Aceito
    13 Set 2022
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