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Editorial - Direito dos Animais: ética, senciência e o fim do Antropocentrismo

Editorial - Animal Rights: Ethics, Sentience, and the End of Anthropocentrism

Editorial - Derechos de los Animales: Ética, Sensibilidad y el Fin del Antropocentrismo

Há uma década, a Revista de Filosofia Aurora publicava a primeira de uma série de entrevistas com alguns autores e autoras que têm contribuído significativamente com o modo de pensar e produzir Filosofia. Naquela ocasião, o convidado foi Peter Singer, professor da Universidade de Princeton e autor de uma das obras mais revolucionárias do século XX - Animal Liberation: A New Ethics for Our Treatment of Animals, publicada em 1975. Indagado sobre o caminho para a filosofia contemporânea, Singer respondeu: “O caminho para a filosofia contemporânea reside no pensamento crítico sobre a forma como vivemos e no que consideramos certo e errado” (SINGER; PERUZZO JÚNIOR, 2014SINGER, Peter; PERUZZO JÚNIOR, Léo. From Animals’ Right to Applied Ethic. Revista de Filosofia Aurora, v. 26, n. 39, p. 889-891, jul./dez. 2014. Disponível em: https://periodicos.pucpr.br/aurora/article/view/703. Acesso em: 07/03/2024.
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)1 1 SINGER, Peter; PERUZZO JÚNIOR, Léo. From Animals’ Right to Applied Ethic. Revista de Filosofia Aurora, v. 26, n. 39, p. 889-891, jul./dez. 2014. Disponível em: https://periodicos.pucpr.br/aurora/article/view/703. Acesso em: 07/03/2024. .

Agora, após um longo percurso de publicações, a Revista de Filosofia Aurora tem a grata satisfação de publicar um dossiê dedicado ao “Direito dos Animais: ética, senciência e o fim do Antropocentrismo”, organizado pela professora Regina Schöpke (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e pelo professor Alberto J. Franco-Barrera2 2 O trabalho deste pesquisador foi apoiado pelo Ministério da Ciência e Inovação da Espanha, Agência Espanhola de Pesquisa, sob a concessão PID2022-142980NB-I00. (Universidade de Santiago de Compostela). Sem dúvida, a presente publicação representa um marco no campo das pesquisas filosóficas, destacando a importância de abordar questões éticas relacionadas aos direitos dos animais. Ao longo dos artigos que compõem este dossiê, os autores exploram as complexidades éticas, políticas e epistêmicas envolvidas na interação entre seres humanos e animais, desafiando o paradigma antropocêntrico que historicamente subestimou a consideração moral de outras formas de vida.

Segundo os próprios organizadores do dossiê, Regina Schöpke e Alberto J. Franco-Barrera, a quem se destina, para que serve, qual o valor real de um Dossiê sobre Direitos Animais? Até que ponto, mesmo hoje, depois de quase 50 anos da publicação do clássico Libertação Animal, do filósofo australiano Peter Singer, já podemos verdadeiramente dizer que filósofos, pesquisadores e mesmo cientistas, em geral, que tratam deste tema, não continuam sendo olhados ainda um pouco de soslaio, como criaturas um tanto esquisitas que preferem tratar de animais do que abordar questões mais elevadas do espírito, questões mais propriamente humanas? Mas será, como aborda um dos artigos do Dossiê, que não se trata mesmo de uma questão humana, e das mais urgentes, trazer à tona o tema da tirania que exercemos sobre este “outro de nós” que é o animal (para usarmos um termo de Jacques Derrida)? Afinal, decididamente, na prática e no pensamento, reunimos todos os animais em um bloco homogêneo e os invisibilizamos de tal modo que tratar disso desnuda a nós mesmos e o nosso sonho mágico da espécie especial, a “espécie superior”, a que tem direitos inalienáveis de, inclusive, usar, abusar e massacrar todas as demais espécies do mundo para os seus próprios fins e desejos.

Ocorre que esta tirania se dirige também a nós mesmos, à nossa própria espécie. Em outras palavras, somos a espécie que tiraniza a própria espécie, de modo que o diferencial da causa animal é que ela vai mais fundo, e vertiginosamente, na desconstrução da tirania que está inscrita em nós, fora e dentro, destruindo humanos e animais ou, mais especificamente, animais humanos e não humanos. É preciso que se entenda que a própria luta pelos direitos animais não é apenas uma coisa de compassivos ou de “amantes de animais”, e sim uma luta pelo ser humano, pelo seu aperfeiçoamento ético e moral. Se o animal é o ponto de partida não é porque se prefira o animal às pessoas, mas porque a tirania exercida sobre o primeiro, ainda mais crua e impiedosa, expõe ainda mais, e de modo inexorável, as contradições e aporias que envolvem a própria ideia da “espécie superior”. Mais precisamente, expõe, mais que tudo, que temos vivido moralmente anestesiados, no que tange a nós mesmos e a nossa relação com os outros.

Na verdade, para lá de qualquer justificativa mais filosófica e conceitual, o que precisaria ficar mais claro, para todos, é que o animal não é algo distante da nossa existência. Pelo contrário, ele está no centro mesmo da vida humana, desde sempre, e isso vale para quem convive direta e estreitamente com eles e para quem não convive tão rotineiramente. Na verdade, a relação que estabelecemos com os animais diz respeito intrinsecamente ao modo como pensamos a vida, a natureza e nós mesmos. Em poucas palavras, está diretamente ligada às nossas crenças mais profundas sobre a humanidade e sobre o mundo. E aqui a universalização é proposital, porque seja no Ocidente, no Oriente, seja nas estepes ou nas florestas, a relação entre humanos e animais estará sempre presente, de modo que é absolutamente necessário que esta relação seja contemplada por nós por uma ética que possa abarcar desde as questões ambientais e ecológicas até às relativas às vidas na sua individualidade, no seu interesse de também viverem, e com dignidade. Em poucas palavras, é preciso que os animais não humanos, ou simplesmente todos os seres sencientes, os mais parecidos ou os menos parecidos conosco, não importa, também sejam moralmente considerados em seus “interesses” de vida e liberdade ou, mais que isso, que também sejam considerados em seus “direitos” de vida e liberdade. E, afinal, se estes são direitos naturais ou não, tal resposta dada deve valer também ao ser humano como ser vivo, como animal e como parte da natureza, por mais que ele se sinta um ser à parte.

Enfim, desde os anos 70, as problematizações não param de crescer e pode-se dizer que a questão animal (para diferenciarmos da causa, da luta em si) tem conseguido, aos poucos, encontrar seu lugar no mundo das ideias filosóficas, e também científicas, embora é quando esta esfera das ideias se une à esfera da nossa vida prática, que o pensamento deixa de estar submisso a um saber teórico vazio, a um saber puro distanciado da vida, como diria Nietzsche, para se tornar ele próprio já uma prática, um modo de ser e de existir mais eticamente no mundo.

Uma nova relação entre animais humanos e não humanos é necessária se queremos construir um mundo novo fora das lógicas antropocêntricas que, entre outras coisas, conduziram-nos à atual crise climática”.

A Revista de Filosofia Aurora agradece, mais uma vez, a colaboração dos organizadores, autores e pareceristas, expressando o desejo de que o presente dossiê possa alimentar novas reflexões e perspectivas sobre o nosso modo de vida e, em particular, sobre o futuro das pesquisas realizadas em Filosofia.

Votos de uma boa leitura!

Prof. Dr. Léo Peruzzo Júnior - PUCPR

Prof. Dr. Jelson Oliveira - PUCPR

Editores-chefe

  • 1
    SINGER, Peter; PERUZZO JÚNIOR, Léo. From Animals’ Right to Applied Ethic. Revista de Filosofia Aurora, v. 26, n. 39, p. 889-891, jul./dez. 2014. Disponível em: https://periodicos.pucpr.br/aurora/article/view/703. Acesso em: 07/03/2024.
  • 2
    O trabalho deste pesquisador foi apoiado pelo Ministério da Ciência e Inovação da Espanha, Agência Espanhola de Pesquisa, sob a concessão PID2022-142980NB-I00.

Referência

  • SINGER, Peter; PERUZZO JÚNIOR, Léo. From Animals’ Right to Applied Ethic. Revista de Filosofia Aurora, v. 26, n. 39, p. 889-891, jul./dez. 2014. Disponível em: https://periodicos.pucpr.br/aurora/article/view/703 Acesso em: 07/03/2024.
    » https://periodicos.pucpr.br/aurora/article/view/703

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    25 Fev 2024
  • Aceito
    25 Fev 2024
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